Violência Obstétrica: Quando a Cesárea é Imposta Como Única Opção
...se proteger contra abusos e garantir um nascimento respeitoso, informado e humano. A escolha do tipo de parto deve ser da mulher, com base em informação clara e honesta — não uma imposição travestida de “cuidado médico”.
Roberto Moreira
5/1/20258 min read


"Seu quadril é muito estreito para um parto normal."
"O bebê está muito grande, não vai passar."
"O cordão umbilical está enrolado no pescoço."
"Sua placenta está envelhecendo."
"Você já tem mais de 35 anos, é muito arriscado."
"O líquido amniótico está diminuindo."
Quantas de vocês, mamães, já ouviram alguma dessas frases ao se aproximar da data prevista para o parto? Marina tinha 37 semanas de gestação quando, em uma consulta de rotina, ouviu do seu médico que seria "impossível" ter um parto normal. O motivo? "Seu bebê está muito grande e seu quadril é estreito demais". Sem questionar a autoridade médica e tomada pelo medo, Marina agendou sua cesárea para a semana seguinte. Seu filho nasceu com 3,2kg - um peso perfeitamente adequado para um parto vaginal.
Esta história se repete diariamente nos consultórios obstétricos brasileiros, em um fenômeno que especialistas chamam de "epidemia de cesarianas".
O Brasil no Mapa Mundial das Cesarianas: Números Alarmantes
O Brasil ocupa uma posição nada invejável no cenário global: somos o segundo país com maior taxa de cesarianas do mundo, perdendo apenas para a República Dominicana. Segundo dados do Ministério da Saúde (2023), 57% dos partos realizados no país são cirúrgicos - na rede privada, esse número chega a assustadores 83%.
Para dimensionar o problema, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que as taxas de cesarianas não ultrapassem 15% dos partos. Isso significa que estamos quase quatro vezes acima do recomendado!
O mais impressionante é observar a evolução histórica desses números:
1970: 15% de cesarianas
1990: 32% de cesarianas
2000: 38% de cesarianas
2010: 52% de cesarianas
2023: 57% de cesarianas
Este crescimento constante está diretamente relacionado à comodidade do sistema médico, e não às necessidades das gestantes.
Parto Normal x Cesariana: O Que a Ciência Diz
Quando não há uma indicação médica real, o parto normal apresenta inúmeras vantagens para mãe e bebê:
Para a mãe:
Menor risco de infecções
Recuperação mais rápida
Menor risco de hemorragias
Liberação de hormônios como ocitocina e endorfinas (conhecidos como "hormônios do amor e do bem-estar")
Menor risco de complicações em gestações futuras
Ausência de cicatriz cirúrgica
Para o bebê:
Maturação pulmonar adequada (a passagem pelo canal vaginal ajuda a expelir líquidos dos pulmões)
Colonização por bactérias benéficas do canal de parto, fortalecendo o sistema imunológico
Menor risco de problemas respiratórios
Estímulo neurológico durante o trabalho de parto
Início mais fácil da amamentação
Por outro lado, a cesariana, quando realizada sem necessidade real, apresenta riscos consideráveis:
Para a mãe:
Risco de infecção pós-operatória
Recuperação mais lenta e dolorosa
Maior risco de hemorragias severas
Riscos associados à anestesia
Possibilidade de aderências internas
Complicações em partos futuros (incluindo acretismo placentário)
Para o bebê:
Maior incidência de problemas respiratórios
Alteração na colonização intestinal (impactando o microbioma)
Maior risco de internação em UTI neonatal
Possíveis dificuldades na amamentação
Vale ressaltar: a cesariana é um procedimento salvador de vidas quando realmente indicada. O problema não é a cesariana em si, mas sua banalização e uso indiscriminado por conveniência.
O Renascimento do Parto: Uma Nova Perspectiva
Como advogado e futuro pai, confesso que este tema jamais teria entrado no meu radar se não fosse pela gravidez da minha esposa. Ao assistirmos juntos ao documentário "O Renascimento do Parto" (disponível no YouTube), ficamos estarrecidos com as práticas comuns na obstetrícia brasileira.
Este documentário, produzido em 2013 e dirigido por Eduardo Chauvet, expõe de forma contundente como o modelo de assistência ao parto no Brasil prioriza conveniências do sistema de saúde em detrimento do bem-estar das mulheres e bebês.
Recomendo enfaticamente que todas as gestantes, seus parceiros e familiares assistam a este documentário. É um importante ponto de partida para compreender seus direitos e as práticas baseadas em evidências científicas, não em conveniências médicas ou hospitalares.
Como Se Proteger da Violência Obstétrica?
Informe-se: Busque informação baseada em evidências científicas. Grupos de apoio ao parto humanizado, doulas e enfermeiras obstetras podem ser excelentes fontes.
Elabore um plano de parto: Documento onde você expressa suas preferências para o momento do nascimento. Embora não tenha valor legal absoluto, serve como registro de suas escolhas.
Escolha cuidadosamente seus profissionais: Pesquise a taxa de cesáreas do seu obstetra e da maternidade escolhida. Questione abertamente sobre a postura diante do parto normal.
Conte com apoio: Uma doula (acompanhante de parto profissional) pode ajudar a garantir que seus direitos sejam respeitados durante o trabalho de parto.
Conheça seus direitos: A Lei do Acompanhante (Lei nº 11.108/2005) garante que você tenha uma pessoa de sua escolha durante todo o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
Você vivenciou alguma situação de violência obstétrica ou está insegura sobre seus direitos no parto? Converse com um especialista em direito da saúde e receba orientação personalizada.
Conclusão: O Poder da Escolha Informada
O nascimento de um filho é um momento transformador na vida de uma mulher. Cada gestante tem o direito de vivenciar este momento com dignidade, respeito e autonomia.
A imposição de cesarianas desnecessárias não é apenas uma questão médica, mas também ética e jurídica. Representa uma forma de violência que precisa ser reconhecida e combatida.
Como sociedade, precisamos exigir um modelo de assistência obstétrica que respeite a fisiologia do parto e a autonomia feminina. As mulheres não são máquinas de parir, são seres humanos com direitos e dignidade.
Se você passou, está passando ou teme passar por situações de abuso obstétrico, saiba que a lei está ao seu lado. Procure orientação jurídica especializada para conhecer seus direitos e as formas de protegê-los.
Você conhece alguma mamãe que está enfrentando pressões para uma cesariana sem indicação real? Compartilhe este artigo com ela. Informação é o primeiro passo para a proteção de direitos!
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990.
BRASIL. Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005. Lei do Acompanhante. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 abr. 2005.
DINIZ, S. G. et al. Violência obstétrica como questão para a saúde pública no Brasil: origens, definições, tipologia, impactos sobre a saúde materna, e propostas para sua prevenção. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, v. 25, n. 3, p. 377-384, 2015.
LEAL, M. C. et al. Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 2014.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas. Genebra: OMS, 2015.
TESSER, C. D. et al. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, v. 10, n. 35, p. 1-12, 2015.
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A Conveniência Médica vs. O Bem-Estar da Parturiente
Por que tantos médicos insistem na cesariana mesmo quando não há indicação clínica real? A resposta envolve diversos fatores:
Tempo e Agenda
Um parto normal pode durar de 8 a 12 horas ou mais. Durante esse período, o médico precisa estar disponível para acompanhar a parturiente, o que significa deixar de atender outros pacientes e, consequentemente, receber menos consultas.
Já uma cesariana eletiva é programada, dura aproximadamente 1 hora e pode ser encaixada perfeitamente na agenda médica, entre consultas e outros procedimentos.
Remuneração Inadequada
Os planos de saúde remuneram mal os obstetras pelo acompanhamento de trabalhos de parto prolongados. Em média, um médico recebe entre R$280 e R$500 por um parto normal completo - incluindo todo o acompanhamento que pode durar horas ou até dias.
Para uma cesariana, que dura cerca de uma hora, a remuneração é praticamente a mesma. Isso cria um incentivo perverso: por que dedicar 12 horas a um parto normal se é possível realizar 4 ou 5 cesarianas nesse mesmo período, com muito menos "complicações" e imprevisibilidade?
A "Linha de Montagem" da Maternidade
Não é exagero comparar muitas maternidades brasileiras a verdadeiras fábricas de bebês. Em alguns hospitais, principalmente na rede privada, as cesarianas são agendadas sequencialmente, como em uma linha de produção.
8h00: primeira cesariana
9h30: segunda cesariana
11h00: terceira cesariana
As mulheres são tratadas como peças de uma engrenagem, não como seres humanos vivenciando um dos momentos mais importantes de suas vidas. O nascimento é reduzido a um procedimento técnico, despido de seu aspecto emocional, fisiológico e natural.
Implicações Jurídicas da Imposição da Cesariana
A imposição injustificada de cesarianas configura violência obstétrica e traz diversas implicações jurídicas:
O Dever de Informação
O Código de Defesa do Consumidor estabelece em seu art. 6º, III, o direito à "informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem."
Na relação médico-paciente, isso se traduz na obrigação do profissional de informar claramente:
Os riscos e benefícios de cada tipo de parto
As reais indicações para uma cesariana
As possíveis complicações de cada procedimento
As alternativas disponíveis
A omissão dessas informações ou a apresentação de "riscos fantasiosos" para induzir a paciente a aceitar uma cesariana configura uma clara violação deste princípio.
Dignidade da Pessoa Humana
A Constituição Federal estabelece em seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana como fundamento da República. Este princípio implica no respeito à autonomia da parturiente e seu direito de escolha informada.
Impor um procedimento cirúrgico desnecessário, baseado em conveniências profissionais, viola diretamente este princípio constitucional.
Violência Obstétrica como Violação de Direitos
A Lei nº 17.097/2017 de Santa Catarina (uma das pioneiras no tema) define violência obstétrica como "todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período puerpério."
Entre as condutas caracterizadas como violência obstétrica estão:
Recusar atendimento ao parto
Promover a cesariana sem indicação clínica real
Impedir que a mulher seja acompanhada por pessoa de sua preferência
Submeter a mulher a procedimentos dolorosos ou humilhantes sem justificativa clínica


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